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Os militares entram em campo

Militares do Exército brasileiro Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

As Forças Armadas estão preparadas para entrar em ação no caso de um eventual agravamento da epidemia no Brasil levar a distúrbios sociais. Foi o que informou o ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, em entrevista exclusiva ao programa semanal CNN Mundo, nessa sexta-feira (20). Os militares também atuarão de imediato com apoio logístico nas ações civis de saúde e na vigilância das fronteiras, com reforço no caso da Venezuela.

Na entrevista coletiva da tarde de sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou que não deseja elevar o atual estado de calamidade nacional para níveis mais altos, como o estado de sítio. A medida deslocaria poderes do Congresso para o governo, que também adquiriria um pouco mais de autonomia frente à própria Justiça. Bolsonaro deu a entender que esse é um passo que só pode ser dado em caso de justificada gravidade.

O presidente e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, explicaram também por que não adotaram ainda medidas para restringir a circulação de pessoas, como fizeram outros países, incluindo a vizinha Argentina. Mandetta ponderou que o Brasil é um país de dimensão continental, com realidades muito diversas, de maneira que não cabe uma medida linear, aplicada ao território nacional. E que correria o risco de prejudicar o escoamento de produtos importantes para o próprio combate ao coronavírus, como balões de oxigênio e máscaras.

Neste momento crítico, e que ainda se agravará muito, é preciso que os papéis de cada instância de poder estejam claros, dentro dos limites do regime democrático. Até outro dia, víamos manifestações de impaciência com a democracia por parte de alguns setores no país. E uma parte, talvez minoritária, mas estridente da população manifestava uma certa simpatia com a ideia de buscar uma alternativa de regime supostamente mais eficaz. Da parte do governo, não houve uma reafirmação suficientemente clara e definitiva de que essa alternativa estava fora de cogitação. Nos meios militares, uma certa militância política em favor do presidente Bolsonaro, e até mesmo com embates entre correntes políticas no interior do governo, também criava ruídos.

Nos últimos dias, esses ruídos perderam a força. Noutras esferas, como a relação entre o presidente e alguns governadores, ainda há bastante disputa, e isso é ruim. Mas o conflito com o Congresso entrou, no mínimo, em uma trégua, como demonstra a aprovação rápida, sem questionamentos, do estado de calamidade. Da mesma maneira, o protagonismo político dos militares ficou em segundo plano.

Tudo isso é importante, para que as Forças Armadas possam intervir com todo o seu potencial material e profissional, com apoio da população, sem que haja preocupações quanto às suas intenções. Estamos entrando em um território desconhecido. Não é possível prever nem descartar cenários mais dramáticos, que possam envolver violência se, conforme os doentes e mortos se multiplicarem, ficar evidente uma desigualdade no acesso a um atendimento decisivo para preservar vidas.

Governadores de 27 estados americanos já pediram a mobilização de tropas da Guarda Nacional. Mas todos os 50 estados, o Distrito de Colúmbia e 4 territórios declararam estado de emergência, o que permite a convocação da Guarda Nacional também neles. Mais de 2 mil integrantes da Guarda já foram acionados, e esse número tende a se multiplicar nos próximos dias.

No discurso sobre o Estado da União, no dia 4 de fevereiro, os militares presentes no Congresso só aplaudiam quando o presidente Donald Trump homenageava um militar. E ficavam imóveis, em meio aos aplausos no restante da Casa, quando o presidente enfatizava conquistas de seu governo, ainda que bipartidárias.

Nos Estados Unidos, tradicionalmente, as Forças Armadas só atuam fora do território nacional, contra inimigos externos. O Brasil não tem uma Guarda Nacional, e suas funções de manutenção da ordem dentro do território do país estão a cargo das três Forças Armadas, quando a polícia não é suficiente.

Daí que os militares precisam se cercar de cuidados para não trair qualquer desejo, por mais remoto que seja, de “cruzar o Rubicão”, a expressão que remete ao Império Romano, em que os legionários não deviam atravessar o rio que margeava Roma. Quando cruzaram, em 49 a.C., Roma sucumbiu à ditadura do imperador Júlio César. 

Basta olhar para o lado o exemplo venezuelano para constatar o quanto é pernicioso o contágio das Forças Armadas pela ideologia e pela política. Cabe a todo governo democrático proteger as Forças Armadas de contaminação política e não deixar dúvidas sobre seu apego ao compartilhamento do poder com o Congresso e a Justiça. Numa democracia, isso dá prestígio aos militares. Não o contrário.
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MARIO PINHO

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